O que eh fascismo fascistas (5)
Fascismo é provavelmente um dos conceitos mais repetidos e pouco compreendidos na história política. Por exemplo, quantas vezes você ouviu essa expressão nos últimos meses? Ou, pra piorar, ouviu alguém chamar outra pessoa de fascista? O ponto é: alguém sabe explicar realmente o que é fascismo?
 
Fascista não é o fulano que sai para protestar contra um governo com uma camiseta com as cores do país. Beltrano não é fascista porque torce o nariz para as ideias de esquerda. Sicrano também não é porque vota num cara que alguns não gostam.
 
Infelizmente, esse é o grande problema: pouca gente sabe o que diz quando usa essa expressão. Segundo o Dictionnaire historique des fascismes et du nazisme “não existe nenhuma definição universalmente aceita do fenômeno fascista, nenhum consenso, por menor que seja, quando à sua abrangência, às suas origens ideológicas ou às modalidades de ação que o caracterizam”. Stanley G. Payne, um dos mais reconhecidos historiadores do fascismo no mundo, foi outro a atestar esse fenômeno. Ele diz que o “fascismo permanece sendo, provavelmente, o mais vago dos termos políticos mais importantes”.
 
Fascismo acabou se tornando uma espécie de insulto político a qualquer figura opositora aos ideais de esquerda. Você pode perfeitamente virar um fascista apenas por não corroborar os discursos de um político de um determinado partido mais progressista, daquele coletivo revolucionário da sua universidade ou de algumas das pautas mais caras a essa turma toda. Pra muita gente, ou você está com eles ou está contra eles e será condenado a ser chamado de fascista!
 
No entanto, mesmo sem um aparato ideológico abrangente ou pensadores influentes, há alguns elementos escancarados a respeito da natureza do fascismo.
 
Para não passar vergonha alheia, confira abaixo 4 coisas que você precisa saber antes de sair chamando os outros de fascistas.
 
#1. É antiliberal
 
O que eh fascismo fascistas (4)
Essa é a primeira coisa que você precisa saber antes de sair por aí acusando alguém usando essa expressão: o maior inimigo do fascismo é o liberalismo. Essa era a opinião de Mussolini, o grande líder totalitário italiano.
 
Para ele, o liberalismo era uma espécie de “religião desconhecida” que precisava ser combatida. Mussolini era desses que acreditava que o século dezenove havia sido o grande reinado do liberalismo no mundo e que o século vinte seria o “século de fascismo”. Não por acaso, ele resumiu toda doutrina fascista numa regra muito clara, que virou quase um bordão de tão precisa:
 
“Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado.”
 
Essa é a essência do Estado totalitário: é tudo nele e nada fora dele. Ou seja, o fascismo é a ideia que todas as ações humanas devem satisfações a uma organização central. O Estado deve dirigir uma economia corporativista, controlando cada movimento do mercado, ao mesmo tempo em que impõe claros limites às liberdades individuais. Isso também é muito próximo daquilo que os socialistas instituíram em diferentes regimes ao redor do mundo no último século.
 
Moeller van den Bruck, o ideólogo nazista que serviu como forte influência para o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, captou o sentimento da juventude alemã antes da ascensão de Hitler. Era genuinamente antiliberal.
 
“O liberalismo é uma filosofia de vida à qual a juventude alemã volta hoje as costas com nojo, cólera e um desprezo especial, pois não há nada mais exótico, mais repugnante e mais contrário à sua filosofia. A juventude alemã dos nossos dias reconhece no liberalismo o arqui-inimigo.”
 
O fascismo é uma espécie de religião do Estado. É a crença que o Estado deve assumir a responsabilidade por cada aspecto da vida humana em detrimento do individualismo. O Estado deve gerir o nosso bem-estar e cuidar da nossa saúde. E não apenas isso. Deve também impor uma uniformidade de pensamento – leia-se: instaurar uma ditadura do pensamento único, onde as expressões não são livres, construídas a partir da boa vontade de uma liderança política.
 
#2. É trabalhista
 
O que eh fascismo fascistas (1)
Poucos regimes foram tão revolucionários na defesa dos direitos trabalhistas quanto o fascismo. Não por acaso, a nossa própria legislação na área, criada no auge do Estado Novo, por Getúlio Vargas, tem como base um documento italiano do final da década de vinte, a Carta del Lavoro, onde o Partido Nacional Fascista definiu os fundamentos das relações de trabalho. Até hoje, aliás, todas essas determinações permanecem organizando a vida econômica do país em corporações, com sindicatos patronais e trabalhadores tutelados pelo Estado.
 
A própria Constituição Federal de 1937, além da CLT, tem no artigo 138 uma tradução idêntica à declaração III da Carta del Lavoro. E o que ela prevê? A unicidade sindical sob tutela do Estado, as contribuições compulsórias e os contratos coletivos de trabalho, mecanismos que de forma intacta sobreviveram à Constituição de 1988.
 
Foi dessa maneira que o fascismo mudou a cara do trabalhismo no último século – abraçando o sindicalismo revolucionário e dando ao Estado o papel de tutor das relações laborais, fiscalizando patrões, empregados e determinado cada aspecto da vida do trabalho. Quer dizer, nunca houve no fascismo italiano o interesse em abolir completamente a propriedade privada, como definia a utopia soviética. Os fascistas ousavam dominá-la através de corporações intimamente ligadas ao Estado. Em 1935, os sindicatos fascistas tinham mais de 4 milhões de filiados. Nada parecido havia sido testemunhado proporcionalmente em nenhum outro canto do mundo até então. A Itália era um grande feudo sindicalista.
 
Do outro lado do Atlântico, essa é a base do trabalhismo no Brasil: uma cópia escrachada do fascismo italiano. Não apenas no que diz respeito à perpetuação de uma cultura sindical (e nunca é demais lembrar que há mais de 15 mil sindicatos no Brasil), como no fato dessas corporações serem tão próximas ao Estado (de abril de 2008 a abril de 2015, o governo federal repassou mais de R$ 1 bilhão para as centrais sindicais).
 
#3. É populista
 
O que eh fascismo fascistas (2)
Há algo inegável a respeito das ideologias: fascistas e populistas de esquerda nasceram como uma espécie de irmãos Karamazov dos dicionários políticos. E não sem motivo.
 
Em geral, tanto o primeiro grupo quanto o segundo construiu suas plataformas ideológicas no último século a partir do aumento do gasto público, da criação de políticas econômicas equivocadas justificadas para atender as massas, da propagação da ideia que o livre mercado é um mal a ser combatido, da figura centrada num grande líder carismático, do uso das estruturas do Estado para a construção da propaganda oficial, do combate à globalização como proteção à economia nacional, da crença no partido como um instrumento inquestionável de criação de prosperidade e justiça social, da luta contra um inimigo em comum (os norte americanos, o comércio internacional, os judeus), da construção de um discurso que una o grande líder ao “povo” e condene todas as figuras contrárias ao partido como “antipovo”, da perseguição à propriedade privada, da manipulação dos números oficiais, da descrença em escândalos de corrupção do governo.
 
Isso tudo está em Getúlio, Hitler ou Mussolini. Mas também está em Chávez, Perón e Fidel.
 
Há evidentes diferenças entre fascistas e populistas de esquerda. Ainda assim, não é um equívoco apostar que há mais coisas que os aproxima do que os afasta.
 
#4. É autoritário
 
O que eh fascismo fascistas (3)
Sabe aquela imagem do grande líder totalitário concentrando todo poder possível nas mãos para destruir o mundo? Ela é falsa. Em geral, a mesma noção altruísta que teoricamente move políticos dos mais diversos credos ideológicos também inspira diferentes líderes totalitários: todas as suas ações políticas são justificadas a partir de uma hipotética luta pela transformação do mundo vigente, do combate às mazelas históricas, da crença que as suas ideias são naturalmente superiores e benéficas ao maior número de pessoas.
 
E é justamente graças a esse entendimento que seu plano político é infalível na construção de uma sociedade mais justa e estável, e que seus opositores representam uma ameaça ao bem estar geral da população, que líderes totalitários e seus simpatizantes usualmente criam algumas das ditaduras mais perversas que a humanidade já testemunhou – dentre as quais uma muito peculiar, ainda tão em voga nos dias atuais: a do pensamento único.
 
Se a tirania atinge seu ápice na instauração da nova identidade política, com muita repressão policial, ela alcança forte poderio também no campo das ideias. Acreditando defender um mundo moralmente superior, fascistas – assim como seus irmãos bastardos, os populistas de esquerda – condenam aquilo que entendem como pensamento dominante (essencialmente capitalista e individualista) para dar lugar a um novo reino da opinião e das condutas pessoais, construídas sobre o mito da juventude como artífice da história, da total dedicação à comunidade, da camaradagem e do espírito guerreiro e revolucionário. Em geral, fascistas e populistas não apenas censuram todos aqueles que destoam de suas crenças, tratados literalmente como politicamente incorretos, como ameaçam fisicamente e moralmente seus opositores.
 
Dessa forma, a liberdade de expressão vira um mero conceito pequeno burguês: a própria palavra é um instrumento do coletivo, da maioria, do “povo”, e deve ser silenciada quando utilizada pelos não alinhados ao pensamento único. Não apenas os veículos de informação que denunciam descasos do partido são condenados ao descrédito – quando não à censura – como pensadores de oposição acabam tratados como arqui-inimigos dos trabalhadores e do bem comum.
 
Assim, a essa altura do texto, é muito provável que muitos daqueles que você está acostumado a ver acusando os outros de fascistas, com expressões autoritárias, dedos em riste e soluções inquestionáveis para todos os problemas do mundo, quase sempre são eles mesmos os mais fervorosos praticantes do fascismo – um fascismo velado, cínico e demagogo, mas não menos autoritário. Escondidos sob o véu desse autoritarismo do bem, pretensiosamente inclusivo e justiceiro, os fascistas envergonhados dos dias atuais, como os do passado, são quase sempre os primeiros a acusar os outros daquilo que eles mesmos fazem, e justificam seus protestos, suas greves, seus boicotes e suas vaias, com toda uma insolência muito peculiar, à incendiária construção de um novo mundo, mais justo.
 
Isto posto, não nos resta dúvida que o fascismo atravessou o século e deixou de ser uma marca restrita aos líderes totalitários. Por isso, esqueça Hitler, Vargas ou Mussolini. Olhe ao seu redor. O fascismo é um instrumento da modernidade que concentra sua luta na construção de um mundo melhor através de ações estatais muito específicas e irredutíveis que moldam as particularidades humanas sob a égide do politicamente correto e do pensamento único.
 
Lembre-se disso na próxima vez que sair por aí acusando os outros de facista. Você pode ser o fascista da vez, mas só não sabe disso ainda.
 
Leia o texto completo em Spotpniks

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