Entre as brigas mais famosas na Fórmula 1, além das disputas nas pistas, foi a porrada que nosso campeão Senna deu no piloto irlandês Eddie Irvine no GP do Japão em 1993.
 

A estreia de Irvine causou furor no ‘circo’ da Fórmula 1. Na primeira vez que sentou num cockpit da categoria máxima do automobilismo, levou seu Jordan ao sexto lugar no GP do Japão de 1993. Profundo conhecedor do circuito de Suzuka, uma vez que corria no país asiático, o norte-irlandês andou forte e anotou seu primeiro ponto na carreira. O prêmio? Uma porrada de Ayrton Senna (McLaren), vencedor da etapa nipônica daquele ano. Sim, você leu direito: o brasileiro se irritou com a postura do calouro na pista e mandou um direto no rosto de Eddie.
 

Se o soco deixou marcas, não se sabe. Mas o dia 24 de outubro de 1993 mudou para sempre a carreira de Irvine. Porém, até aquele domingo chuvoso em Suzuka, muita água passou pela vida do britânico. Nascido em 10 de novembro de 1965 em Newtownards, na Irlanda do Norte, ingressou no automobilismo aos 18 anos. Naquele ano de 1983, estreou na Fórmula Ford Britânica, categoria na qual permaneceria até 1987, quando sagrou-se campeão. Em 1988, foi para a Fórmula 3 Inglesa, onde ficou em quinto na classificação.
 

No ano seguinte, se transferiu para a Fórmula 3000, categoria de acesso à F1, ficando num discreto nono lugar ao fim da temporada. Em 1990, Eddie Jordan deu uma chance para o norte-irlandês. No cockpit da Jordan, Irvine venceu uma etapa da Fórmula 3000, ficando em terceiro na classificação. Porém, a tão sonhada oportunidade para correr na Fórmula 1 não apareceu. Sem saída, o piloto resolveu dar uma guinada na carreira, aventurando-se no automobilismo japonês. Fez três temporadas na Fórmula 3000 Japonesa. Na estreia, em 1991, foi sétimo, e em 1992, foi oitavo.
 

Mas eis que veio 1993, um ano que transformou a vida de Irvine. Após se sagrar vice-campeão da Fórmula 3000 Japonesa, o norte-irlandês se viu novamente diante de Eddie Jordan, o chefe da equipe que o contratou para correr na F3 Inglesa, três anos antes. Naquela temporada, a Jordan contava com o novato Rubens Barrichello, um promissor piloto, e o veterano Thierry Boutsen, que vivia o ocaso na carreira. No GP da Bélgica, em Spa, o belga Boutsen decidiu se retirar das pistas diante de sua torcida. O que fazer? Eddie Jordan decidiu ganhar uns trocados com pilotos que conheciam as pistas restantes no ano.
 

Nos GPs da Itália, em Monza, e de Portugal, no Estoril, o chefe da Jordan vendeu seu cockpit para os italianos Marco Apicella e Emanuele Naspetti, respectivamente. E quem conheceria Suzuka, penúltima etapa de 1993? Eddie Irvine arranjou um patrocinador às pressas para os dois últimos GPs daquele ano e se ofereceu a Eddie Jordan. O dirigente entrou em acordo, sobretudo por conhecer o britânico e por saber da vasta experiência do norte-irlandês na pista japonesa. Era a chance que Irvine esperou durante toda a sua carreira. E iria lutar, com unhas e dentes, para chamar a atenção do ‘circo’.
 

Nos treinos, Eddie deu show. O profundo conhecimento de Suzuka desinibiu o britânico, que atacou as curvas como ninguém com seu Jordan. A título de comparação, Barrichello, que tinha know-how do bólido, não conseguia acompanhar Irvine em uma volta. Dessa forma, o norte-irlandês foi constantemente superior ao brasileiro nas sessões. Na sexta-feira, fez o 11º tempo, com 1m41s018, contra 1m41s624 de Rubens, o 19º do dia. Ou seja, foi 0s606 mais veloz que Barrichello.
 

No sábado, Irvine achou uma volta espetacular. Conseguiu uma flying lap abaixo da casa de 1m39 (1m38s966), assegurando um surpreendente oitavo lugar no grid, a 1s812 de Alain Prost (Williams), o pole do GP do Japão. Barrichello, por sua vez, fez 1m39s426, ficando na 12ª posição. Colocar quase meio segundo num veloz companheiro de equipe fez o ‘circo’ da Fórmula 1 querer saber mais sobre Eddie, que virou a sensação de Suzuka pela performance do fim de semana. Mas o britânico precisava passar pela prova absoluta das análises: ratificar toda a expectativa com um bom desempenho na corrida.
 

A corrida | GP do Japão 1993
 

Suzuka amanheceu com céu azul no domingo. Porém, a meteorologia apontava para a ocorrência de chuva durante a etapa nipônica. Japoneses são precisos com relação à previsão do tempo, e as equipes já contavam com a pista molhada no decorrer da prova. Na largada, Ayrton Senna (McLaren), segundo no grid, superou Prost e assumiu a ponta. Irvine, por sua vez, surpreendeu mais uma vez: pulou da oitava para a quinta posição, deixando para trás Michael Schumacher (Benetton), Damon Hill (Williams) e Derek Warwick (Footwork).
 

Eddie tentou de todas as formas segurar pilotos tarimbados e com equipamentos superiores, mas os esforços foram em vão. Na volta 3, Michael superou-o. Três voltas depois, foi a vez de Damon ultrapassá-lo. Quem também superou o britânico foi Aguri Suzuki (Footwork) que, assim como Irvine, conhecia os atalhos de Suzuka, sendo terceiro no circuito em 1990. Dessa forma, em oito voltas, o norte-irlandês despencou da quinta para a oitava posição.
 

A inexperiência teria pesado? Ledo engano. Aos poucos, Irvine começou a se destacar. Com o abandono de Schumacher após colisão com Hill, na volta 11, Eddie passou para o sétimo lugar. Neste momento, uma leve chuva já caía sobre o circuito nipônico, mas nada a ponto de encharcar a pista. Com as paradas de Gerhard Berger (Ferrari), na volta 13, e de Suzuki, na volta 15, para a troca de pneus desgastados, o britânico da Jordan retornou ao quinto posto.
 

Contudo, a chuva apertou. E Irvine acelerou. Destemido, o norte-irlandês partiu para cima de Hill. Na volta 20, o improvável aconteceu: Eddie superou Damon e a Williams de outro planeta e passou a ocupar o quarto lugar. A pista extremamente molhada fez o britânico da Jordan ir aos boxes na volta 23. No retorno, estava em 10º, colado em Martin Brundle (Ligier). Acompanhando o ritmo do experiente inglês, acabou ultrapassando Riccardo Patrese (Benetton), na volta 28, e Berger, na 31.
 

Quando Brundle parou nos boxes, na volta 34, Irvine se viu em sétimo. Na mesma passagem, Hill fez seu segundo pit stop, retornando à pista imediatamente na frente de Eddie. Calçando pneus de pista seca, Damon fazia de tudo para segurar o norte-irlandês. Em meio à batalha pelo sexto lugar, Senna, líder absoluto da prova após a chuva, encostou para dar uma volta em ambos. O britânico da Jordan demorou três voltas, mas cedeu espaço para o brasileiro da McLaren. Todavia, Ayrton encontrou dificuldades para superar Hill. Na ânsia de tomar o sexto lugar do inglês da Williams, Irvine simplesmente passou o líder do GP do Japão.
 

A arriscada manobra sobre Ayrton teria consequências após a bandeira quadriculada, mas voltemos à etapa. Apesar de superar Senna, Irvine tornou a devolver posição ao brasileiro, que seguiu seu caminho. Eddie, porém, não conseguiu ultrapassar Damon. Na volta 40, a batalha com Hill terminou, uma vez que o piloto da Jordan foi aos boxes para colocar pneus slicks. No retorno, estava em sétimo, a poucos segundos de Warwick. O norte-irlandês teria que decidir seu destino na pista. A pressão imposta sobre Derek, um veterano que se aposentaria no fim daquele ano, era intensa.
 

Porém, Eddie aprontou das suas: na volta 48, colado no inglês da Footwork, o norte-irlandês errou a freada da chicane antes da linha de chegada e abalroou o adversário. Warwick foi jogado para fora, e Irvine ficou com o sexto lugar. Na volta final, Eddie se aproximou de Senna, que já dava tchauzinhos celebrando sua 40ª vitória. Sem pestanejar, o britânico da Jordan superou Ayrton no fim, e encerrou seu primeiro GP na mesma volta do vencedor.
 

No pódio, Senna estava acompanhado por Prost, o segundo, e Mika Hakkinen (McLaren), que obteve seu primeiro top 3 da carreira em Suzuka. Hill ficou em quarto, seguido por Barrichello, que anotou no circuito japonês seus dois primeiros pontos na carreira. Mas as atenções se voltaram para Irvine, que foi o primeiro piloto a marcar pontos na estreia desde o feito de Jean Alesi no GP da França de 1989. O ponto de Suzuka foi o cartão de visitas para Eddie assegurar um cockpit na Jordan para a temporada de 1994.
 


 
A briga entre Senna e Irvine | GP do Japão 1993
 

Todavia, a festa de Eddie ficou marcada pela confusão após o GP. Irritado com as manobras realizadas pelo norte-irlandês durante a prova, Senna foi tirar satisfações com o novato. Irvine estava sentado em uma mesa na área reservada para sua equipe após a corrida, onde também se encontravam Barrichello, o gerente comercial da escuderia e outros membros da escuderia. Ayrton, por sua vez, chegou acompanhado por Norman Howell, diretor de comunicações da McLaren, e Giorgio Ascanelli, seu engenheiro de corrida.
 

Senna parecia procurar por Irvine, mas não conseguia achá-lo (ou reconhecê-lo). O próprio Eddie levanta a mão, chamando Ayrton, que se encaminha até ele. Confira abaixo o diálogo quente entre o brasileiro e o norte-irlandês, com o gestual e os palavrões:
 

Irvine: “Hey.”
Senna: “Que m**** você acha está fazendo?”
Irvine: “Eu estava correndo.”
Senna: “Você estava correndo? Você conhece a regra que você tem que deixar os líderes passarem quando você é um retardatário?”
Irvine: “Se você estivesse indo rápido o bastante, não haveria problema.”
Senna: “Eu te passei! E você saiu da pista três vezes na minha frente, no mesmo lugar, como um idiota, onde havia óleo. E você estava jogando brita e outras coisas na minha frente por três voltas. Quando te passei, você viu que eu estava na sua frente. E quando eu cheguei no Damon (Hill), ele estava de slicks e tendo dificuldades, e você deveria ter ficado atrás de mim. Você correu um risco muito grande, de me tirar da corrida.”
Irvine: “Eu te coloquei em algum perigo?”
Senna: “Você não me colocou em perigo ?”
Irvine: “Eu encostei em você? Eu encostei em você alguma vez?”
Senna: “Não, mas você chegou à isso (gesticulando, polegar e indicador juntos) de encostar em mim, e eu era o líder (berrando), eu era o líder!”
Irvine: “Um pouco é tanto quanto uma milha.”
Senna: “Vou te dizer uma coisa. Se você não se comportar apropriadamente no próximo GP, é melhor você repensar o que faz. Eu te garanto isso.”
Irvine: “Os comissários disseram que não houve problema, não houve nada de errado.”
Senna: “Ah, é? Espere até a Austrália. Espere até a Austrália, quando os comissários falarem com você. Aí você me diz se eles dizem isso.”
Irvine: “Hey, eu estou aí para fazer o melhor para mim.”
Senna: “Isso não é correto. Você quer ir bem. Eu entendo, pois já fui assim. Eu entendo. Mas é muito anti-profissional, se você é um retardatário, e está uma volta atrás…”
Irvine (interrompendo): “Mas eu teria te seguido se você passasse o Hill.”
Senna: “…você deveria deixar o líder passar…”
Irvine (interromendo novamente): “Eu entendo perfeitamente.”
Senna (ele agora interrompendo): “…e não voltar e fazer as coisas que você fez. Você quase bateu no Hill, na minha frente, três vezes, eu vi, e eu podia ter acertado você e ele como resultado, e essa não é a maneira de…”
Irvine (interrompendo e gritando agora): “Mas eu estou correndo! Estou correndo! Você só aconteceu de…”
Senna (interrompendo e berrando): “Você não estava correndo! Você estava guiando como um p*** idiota. Você não é um piloto de corridas – você é um p*** idiota!”
Irvine: “ Você fala, você fala. Você estava no lugar errado, na hora errada.”
Senna: “ Eu estava no lugar errado, na hora errada ?”
Irvine: “Sim. Eu estava disputando com o Hill.”
Senna: “Sério? Sério? Me diz uma coisa. Quem deve julgar: você ou o líder da prova que vem vindo para te colocar uma volta?”
Irvine: “O líder da prova.”
Senna: “Então o que você fez ?”
Irvine: “Você estava muito devagar, e eu tinha que passar você para tentar chegar no Hill.”
Senna: “Sério? Como eu estava colocando uma volta em você se eu estava muito devagar?”
Irvine: “Chuva. Porque de slicks você estava mais rápido do que eu, mas com pneus de chuva você não estava.”
Senna: “Sério? Sério? Como que eu te passei com pneus de chuva, então?”
Irvine: “Ahn?”
Senna: “Como que eu te passei com pneus de chuva, então ?”
Irvine: “Eu não lembro disso. Na realidade, não lembro da corrida.”
Senna: “Exato, porque você não é competente o bastante para lembrar. Funciona assim, você sabe.”
Irvine: “Tudo bem, tudo bem, você pensa assim.”
Senna: “Tenha cuidado, cara.”
Irvine: “Vou ter, e vou ficar de olho em você.”
Senna: “Você vai ter problemas não só comigo, mas com várias outras pessoas, e também com a FIA.”
Irvine (sarcástico): “É?”
Senna: “Pode apostar.”
Irvine (rindo): “É ? Bom.”
Senna: “É ? Bom saber disso.”
Irvine: “Te vejo na pista.”
Senna (agressivo): “É ? Bom saber disso.”
Irvine: “Te vejo na pista.”
 

Senna dá meia volta, caminha e parece que vai embora quando solta um “aaahhh” alto e vira em direção de Irvine, dando-lhe um soco, de esquerda, na parte direita da cabeça do norte-irlandês, que se desequilibra e cai no chão.
Irvine (berrando): “Processo!”
Senna (berrando enquanto é colocado para fora): “Você precisa aprender a respeitar quando está fazendo errado.”
 


 
Outra famosa briga na F1 foi entre Nelson Piquet e Elio Salazar no Grande Prêmio da Alemanha em 1982. Confira o vídeo:
 


Fonte: Contos da F1

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